Olá, leitores e leitoras!
Pensei em escrever na saudação: leitores e leitoras da penseira. Mas não se pode exatamente ler uma penseira; mergulha-se nela, transporta-se para dentro dela. Isso alude, curiosamente, ao efeito da leitura sobre o leitor: faz que adentre novas dimensões, penetre mundos exóticos ou até se embrenhe no próprio ser... É realmente incrível e magnífico! Bem, hoje é minha estreia aqui no Da Penseira, minha vez de compartilhar pensamentos. Fui gentilmente convidado a participar por Flávio e Paty e aceitei instantaneamente, já que achei a ideia primorosa.
Pois bem. A coluna trata de uma das personagens mais dúbias da história da literatura - talvez mais até que Capitu - e é, na realidade, uma análise (não tão parcial como seria de esperar-se) da personalidade misteriosa, surpreendente e intrigante de Severo Snape. Espero realmente que apreciem e comentem a respeito. Boa leitura!
É inegável que a estrutura familiar integra grande parte do alicerce sobre o qual se constrói a personalidade de um indivíduo, seja ele bruxo ou trouxa. Os pais são responsáveis por orientar os caminhos dos filhos, quando estes ainda não são capazes de fazê-lo. Quando se tornam “senhores do próprio destino”, estão aptos, supõe-se, a fazer as próprias escolhas, embasadas no que aprenderam durante a infância e a tenra juventude. Sendo assim, um ambiente familiar tempestuoso e desequilibrado contribui para o desenvolvimento de certos desvios de conduta, isto é, a escolha certa – ponderando a faixa que abrange o moralmente aceitável – não se revela muito facilmente, não se torna evidente, lógica ou óbvia. Posto isto, torna-se possível principiar o entendimento da complexa personalidade de Severo Snape.
J. K. Rowling não nos privilegiou com muitas informações a respeito da infância de Snape, no que tange ao relacionamento com os pais. É muito provável, no entanto, que, mais do que condições de vida restritivas e negligência por parte dos pais, tenha havido brigas constantes entre seus genitores e até mesmo abusos paternos para com o jovem Severo. Esses aspectos vão construindo um Snape vulnerável, inseguro e problemático no campo social; o bullying impiedoso que sofre por parte dos Marotos só agrava a situação. As suas más escolhas – companhias torpes e envolvimento com magia das trevas – durante o período em que frequentou Hogwarts associadas à necessidade de ratificar uma personalidade instável e a um talento excepcional em praticamente todas as áreas da feitiçaria engendraram em Severo Snape o desejo de render-se às artes das trevas, aliando-se a Voldemort e comungando com muitos de seus ideais. Esse desejo, é bem verdade, sobrepôs-se em certo ponto ao amor que nutria por Lílian – talvez única forma verdadeira de amor que conheceu durante a vida. Não porque fosse esse desejo maior ou mais intenso. As circunstâncias sob as quais se desenvolveu seu relacionamento com Lílian terminaram por influenciar os acontecimentos posteriores. A palavra dita “em fúria e humilhação”, de que se arrependeu até o último suspiro de vida, e o envolvimento de Lílian com seu “arqui-inimigo” execrado – Tiago Potter – provocaram seu distanciamento e propiciaram que Snape mergulhasse em um poço de obscuridade. Note-se, contudo, que, embora estivesse imbuído de trevas, seu amor por Lílian nunca se extinguiu ou esmoreceu... Somente após ter revelado a Voldemort o conteúdo da profecia de que tivera conhecimento, é que se deu conta de que acabara de cometer talvez o maior erro de sua vida. Quando mensurou as consequências que o conhecimento do vaticínio pelo Lorde das Trevas poderia produzir, desesperou-se a ponto de suplicar-lhe que a poupasse e, sem sucesso, de rogar a Dumbledore que a ajudasse e protegesse, oferecendo em troca qualquer coisa. Qualquer coisa para evitar que perdesse o que não lhe pertencia e o que, entretanto, era-lhe mais precioso. Não é possível que haja dúvidas, nesse ponto ou em qualquer outro, acerca do amor de Snape. Amor e, portanto, medo de perder definitivamente, e não apenas remorso, visto que Lílian ainda vivia.
Após a morte de Lílian, o amor passou a coexistir com angústia e dor infindas. Esse fardo ingente motivou o florescimento de toda a coragem e lealdade que manifestou em seus atos – somente revelados naquele terrível e esplêndido capítulo trinta e três. Era o agente duplo perfeito... Já não havia Snape, havia a causa por que trabalhar – o “bem maior” – e nada mais. Os olhos azul-vivos perfurantes de Dumbledore, afinal, eram mesmo capazes de perscrutar a alma detrás dos peculiares óculos de meia-lua: não era à toa toda aquela confiança, por vezes taxada de cega e leviana.
O que tinha de melhor sempre procurou esconder; não via sentido em receber louros que expusessem o sofrimento com que teve de conviver e todo o esforço daí oriundo que teve de desenvolver a fim de proteger Harry Potter, a mais vívida e pungente lembrança de tudo aquilo que perdera, do que o seu maior desafeto ganhara em seu lugar: o amor de Lílian.
E quanto à implicância, crueldade e parcialidade para com o trio protagonista e os demais estudantes não-sonserinos? Bem, não mais que frutos inequívocos do amargor de uma alma perenemente fosca e de uma personalidade desfalcada que impositivamente influiu em todas as escolhas de caminhos que trilhou; o que, todavia, não o impediu de realizar os mais egrégios atos, não lhe tolheu a capacidade de amar, não o incapacitou de conjurar uma graciosa corça prateada como patrono corpóreo. Um patrono, inclusive, cujos elementos genitores eram explícitos por sua própria forma, isto é, a corça (agora de Snape) era o símbolo do que a produzia: Lílian, o amor por Lílian, as lembranças de Lílian, o patrono de Lílian.
Toda a vida de Snape foi o resultado de uma nefasta confluência de eventos. Por muitos deles foi responsável e, como ninguém, conseguiu minimizar expressivamente os tétricos desdobramentos de suas más escolhas. Redenção? Não acredito que a tenha alcançado; não creio que seria capaz de perdoar-se ou de considerar qualquer mérito suficiente ou capaz de esmaecer seu pesar. Talvez não seja adequado julgá-lo herói como se concebe por padrão: seus atos não foram altruístas, era falho e corrompido, fez muitas escolhas erradas... Foi triste, infeliz, amargo. Não desejou ser um herói; nem mesmo desejou agir como um.
A beleza da alma de Snape não é óbvia. Só a enxerga quem é sensível o bastante para perceber que, mesmo nos solos mais atrofiados, como os de uma alma devastada, é possível haver vida, isto é, amor. Uma forma esquálida, feia e frágil; e, no entanto, vívida, bela e contumaz – capaz de manter vivo um amor legítimo e sublime, e dele auferir o mais valioso elixir.
Aff, Luan, esperava algo mais do seu texto magnificamente bem escrito para eu poder contestar. u.u
ResponderExcluirAntes disso, parabéns! Colunas preciosas para a Penseira!
Acho que, Fã que odeie o Snape, não compreende verdadeiramente a sua história.
E eu concordo com tudo o que vc disse [fim de comment -q]. Mesmo que eu saiba que vc tem alguma visão que eu não concordo sobre os Marotos[Faça outra coluna, que podemos discordar!], sei que só contribuiu para que Snape procurasse refúgio em algum lugar... e acabou por ser o seu lado mais obscuro.
"O que tinha de melhor sempre procurou esconder; não via sentido em receber louros que expusessem o sofrimento com que teve de conviver e todo o esforço daí oriundo que teve de desenvolver a fim de proteger Harry Potter, a mais vívida e pungente lembrança de tudo aquilo que perdera, do que o seu maior desafeto ganhara em seu lugar: o amor de Lílian."
Parágrafo perfeito. Ganhou o meu coraçãozinho de concordância, Luan -q
[comment podre, mas whatever]
Mais uma vez, Parabéns!
Sempre fico emocionada ao ver pessoas que enxergam Snape da mesma forma que eu.
ResponderExcluirAcho que só posso dar um enorme "[2]" em tudo que foi dito pelo Luan, e agradecer pelas belas palavras finais, que simplesmente me arrepiaram, são poucas as pessoas que tem esse dom maravilhoso de exteriorizar "pensamentos" com tamanha perfeição.
Seja bem-vindo, boa sorte e continue nos brindando com tão belos pensamentos. ;)
PS: Não me lembro a ultima vez que vi o verbo "encimar" huahauah Amei *-* #ComentárioAleatórioOff
Luan ótima coluna vc é D+++,ñ dá pra gostar de Harry Potter sem gostar de seus personagens.A história de Severo é muito interesante apesar de tudo que ele fez durante os filmes pôstos no ar, o seu amor por Lílian,ah fidelidade para com Dumbledor, tendo que proteger Draco no último filme :D
ResponderExcluirO vocabulário do Luan é uma coisa louca! Só consegui achar "ingente" nuns versos do Santa Rita Durão, googleados aqui.
ResponderExcluirBom, uma coisa que evito muito no geral é ficar elogiando. Reconhecimento e gentilezas ajudam muito menos um maduro escritor ensaísta, crítico ou seja lá o que for do que uma boa resposta inconformada ou mesmo grosseira, ao meu ver. Mas o Luan tá forçando, rs
O cuidado com as palavras junto a essa reflexão tão sensível só poderia resultar num texto brilhante. O mais bem trabalhado personagem da Jo de fato merece as suas palavras, Luan.
Não há uma tomada de partido muito clara mas o texto não se propõe a isso em momento algum. É uma reflexão descompromissada e como tal cumpre seu papel rodopiando sem rumo... estamos numa Penseira, oras. Acho o título meio deslocado, já que não há menção de resposta. Um "Severo Snape: Nem Santo nem Canalha" se mostraria mais condizente. Por mais estranha que seja, contudo, a sua opção funciona pra polemizar, e é o que importa.
Ótimo texto! Snape nunca foi vilão, eu adoro a complexidade dessa personagem. Eu só acho que precisamos ter cuidado para não termos uma visão muito determinista da história. O ambiente o influenciou? Sim, é claro.Mas o que importou mesmo foram as suas escolhas. Durante boa parte de sua vida, ele fez as piores escolhas, se redimindo quando percebeu até que ponto sua cegueira o levou. Isso não diminui a personagem, pelo contrário, só o torna mais humano, capaz de cometer erros terríveis, mas também de se arrepender deles, mesmo que não pelos motivos totalmente certos. Será que se Lílian tivesse sido a única sobrevivente, haveria nele algum sentimento de culpa pelos assassinatos? Duvido muito, acho que foi o choque da morte dela que determinou sua mudança.
ResponderExcluirEu acho que ninguém vai conseguir entender o Snape completamente, a não ser sua brilhante criadora.
O Snape teve atitudes heróicas, um anti-herói talvez, mas não um herói no sentido generalizado do termo, ele tem inúmeras falhas graves, é claro, mas teve sua redenção. Não gosto quando algumas pessoas querem colocá-lo no mesmo nível de Voldemort, ele era alguém capaz de amar, diferentemente do grande vilão da saga. Contudo, também acho que Snape não deve ser canonizado. Era corajoso e brilhante, mas não sei se era alguém que eu gostaria de conviver rsrs Ele sabia ser amargo e vingativo, mas era corajoso e capaz de amar.
Enfim, J.K. Rowling nos premiou com personagens únicos, complexos e apaixonantes, capazes de render discussões acaloradas, mostrando que HP nunca vai deixar de nos encantar. =D
Bem, não custa nada repetir o quão bom estar o texto, né? Bem, escolhi alguns pouco trechos para comentar e aqui vou eu:
ResponderExcluir"o bullying impiedoso que sofre por parte dos Marotos só agrava a situação." - Sim, esse foi um fator existente, porém não o considero agravante. Antes desse trecho, foi-nos apresentados alguns supostos acontecimentos que, na minha opinião, seriam mais importantes na construção desse caráter. Um ser que já chega em Hogwarts, digamos abalado, principalmente alguém com a personalidade de Severo, em pouquíssimos casos, para ñ dizer nunca, irá se importar com brincadeiras à Marotos. Creio que, tratando-se de James, o fator mais agravante foi o paralelo interesse por Lílian.
"...talvez única forma verdadeira de amor que conheceu durante a vida... Qualquer coisa para evitar que perdesse o que não lhe pertencia e o que, entretanto, era-lhe mais precioso." - O.o Existe coisa mais linda de se escrever? Quase chorei nessa parte (ñ que isso seja novidade xD). Ñ tenho muito sobre o que falar sobre esse trecho, apenas, assim como a Paty, dá um "[2]".
Enfim, esses foram os dois trechos que eu mais discordei e concordei, respectivamente. No mais, só resta parabenizá-lo mais uma vez pelo brilhante texto. Ansioso pelo próximo. :B
Mesmo depois de conhecer a história do Snape, não consigo gostar dele. Acho que exatamente porque tudo que ele fez não foi altruísmo, não foi porque ele achou que salvar o Harry valeria a pena. Ele o fez por culpa, pela lembrança da Lílian. Mas tenho que admitir que o amor que ele sentiu por ela até a morte é bonito. É puro. E imaginar um ser como Snape levando um sentimento assim dentro de si é tão complexo quando belo. Cada um tem trevas e luz dentro de si, isso é fato, e acho que Snape é a maior prova disso. Aliás, adorei o artigo.
ResponderExcluirperfeito!! adoro o personagem do severo snape,quando vi o 1° filme eu odiava o principe mestiço ,mas quando vi o 2° filme comecei a prestar mais atenção nele pois ele não era um personagem qualquer.ele é um dos melhores personagens da saga.
ResponderExcluirquando li o livro então...
sem comentários...
pena que ele morreu.
Cara, eu NUNCA vi ninguém descrever a persoalidade de um personagem de uma forma tão... peculiar. Adorei cada palavra do seu texto, e me emocionei verdadeiramente ao lê-lo.
ResponderExcluirParabéns!
I - N - C - R - Í - V - E - L !!!!!!!!!!!!!
ResponderExcluirBelíssimo texto.
ResponderExcluirSnape realmente é uma personagem complicada de analisar.
jamais gostei dele,mas concordo com o que disse no texto. Apesar de tudo,ele nunca deixou de proteger Harry, de amar Lilly e se leal a dumbledore.
"Por inteiro um homem de Dumbledore - disse Harry - Com certeza"