sexta-feira, 22 de julho de 2011

Salazar Slytherin: anacronismo e pureza de sangue


    Olá amigos potterianos! Há séculos que não posto por aqui... Ando precisando mesmo de um vira-tempo. Depois de muito tempo sem ler HP consegui fazer uma pseudo-releitura da série esse ano e como sempre novas ideias surgiram, gostaria de dividir algumas delas com vocês na coluna a seguir, mas antes falemos sobre Relíquias da Morte parte 2.
    Sim, todos se sentem vazios depois dessa estreia. Por mais que 2007 tenha sido o pior ano para a maioria de nós, esse prolongamento da série cinematográfica nos ajudou a superar, pois ainda tínhamos o que discutir. Porém, não vim aqui para fazer o discurso melodramático (os que me conhecem sabem que esse não é o meu estilo), gostaria apenas de dizer que para mentes bem-estruturadas como as nossas, tudo é apenas a aventura seguinte.
    Harry Potter só acabará no dia em que ninguém mais lembrar, refletir ou discutir sobre a série e sabe quando isso vai acontecer? Nunca! Faço agora um apelo mesmo: vamos parar de chorar e nos despedir como se fosse o fim, ainda temos muito que discutir, haverá o Pottermore com inúmeras informações incríveis e temos nosso amor à série, os amigos que fizemos nesses anos de devoção a saga... Ainda existe uma aventura seguinte, afinal! Não deixem de reler, rever e escrever fics, colunas, teses e afins. São nas ações de fãs a cada dia que a série permanecerá sempre viva!

Sem mais delongas, vamos a coluna em si. Não esqueçam de um “malfeito-feito” ao final da leitura e dos comentários. :)

Fanart de J. Lestrange.


                                Salazar Slytherin: anacronismo e pureza de sangue 


    Como o título já diz, neste texto pretendo discutir a figura de Slytherin e o conceito de pureza de sangue creditado ao lendário fundador de Hogwarts. Minhas reflexões partem da ideia de que somos anacrônicos ao discutir Salazar Slytherin, visto que nos revoltamos com uma ideia proposta no “olho do furacão”: a Idade Média. Desenvolvamos... 
    Desde o primeiro encontro de Hagrid e Harry em Pedra Filosofal nos deparamos com uma visão perpetuada sobre Sonserina, segundo Hagrid “Não tem um único bruxo nem uma única bruxa desencaminhados que não tenham passado por Sonserina” (PF:73). Como sabemos essa é uma afirmação deveras extremista, pois não leva em conta o caso Rabicho (ou Sirius, na época ainda não inocentado), por exemplo. O importante é que desde o começo temos uma visão clara do que é a Sonserina, visão que Rowling tenta derrubar na pessoa de Snape ou em entrevistas nas quais diz ter havido sonserinos na Batalha de Hogwarts. O problema é que a visão global sobre a casa estava formada e esta sempre será o lugar da pureza de sangue, do preconceito e de prováveis bruxos das trevas. 
    Ora, quem foi que disse que Slytherin era um bruxo das trevas para começar? Ele cometeu um grande erro ao construir a Câmara Secreta, mas será que a história pode ser tão simplificada? 
    Em Câmara Secreta o Prof. Binns - em um de seus poucos momentos úteis na série - conta sobre a fundação de Hogwarts e o desentendimento entre Salazar e os outros fundadores das casas: “Os senhores todos sabem, é claro, que Hogwarts foi fundada há mais de mil anos... a data exata é incerta... pelos quatro maiores bruxos e bruxas da época. As quatro casas da escola foram batizadas em homenagem a eles: Godrico Gryffindor, Helga Hufflepuff, Rowena Ravenclaw e Salazar Slytherin. Eles construíram este castelo juntos, longe dos olhares curiosos dos trouxas, porque era uma época em que a magia era temida pelas pessoas comuns, e os bruxos sofriam muitas perseguições” (CS:131). 
    A data aproximada da fundação de Hogwarts é por volta de 992 d.C e como os diz Binns era uma época difícil para se revelar a magia, por isso a necessidade de construir o castelo longe de redutos trouxas. Muitos dirão que os bruxos não sofriam de verdade com as perseguições trouxas na época medieval, pois como Harry estuda em Prisioneiro de Azkaban, havia bruxos que até gostavam de ser queimado na fogueira, como era o caso de Wendelin, a Esquisita (PdA:09). Contudo, se era tão simples sumir ao olhar dos trouxas medievais por que construir Hogwarts às escondidas? E por que posteriormente se assinaria um Estatuto Internacional de Sigilo em Magia? Simplesmente porque não era fácil e tampouco agradável viver dessa forma.  
    É justamente nesse momento histórico de animosidade entre bruxos e trouxas que ocorre o rompimento entre Salazar Slytherin e os outros três fundadores de Hogwarts. O Prof. Binns comenta que “durante alguns anos, os fundadores trabalharam juntos, em harmonia, procurando jovens que revelassem sinais de talento em magia e trazendo-os para serem educados no castelo. Mas então surgiram os desentendimentos. Ocorreu uma cisão entre Slytherin e os outros. Slytherin queria ser mais seletivo com relação aos alunos admitidos. Ele acreditava que o aprendizado de magia devia ser mantido no âmbito das famílias inteiramente mágicas. Desagradava-lhe admitir alunos de pais trouxas, pois os achava pouco dignos de confiança. Passado algum tempo houve uma séria discussão sobre o assunto entre Slytherin e Gryffindor, e Slytherin abandonou a escola”. (CS:131) 
    É notável que a seleção proposta por Slytherin revela um aspecto de desconfiança muito maior do que o tão falado preconceito sanguíneo. Percebemos que o bruxo tinha medo de ser traído pelos nascidos trouxas que deixassem entrar em Hogwarts, era um momento de crescente hostilidade entre os dois povos e Salazar propõe muito mais cuidado do que qualquer outra coisa. Naturalmente os outros fundadores de Hogwarts não eram tão inflexíveis quanto Slytherin e preferiram acreditam na lealdade dos nascidos trouxas aos seus poderes mágicos. Helga, Rowena e Godric viram além de seu tempo e merecem todo nosso respeito por isso, mas não podemos considerar os argumentos de Salazar indignos pois se assim agirmos, não levaremos em conta as relevantes questões de História da Magia presentes na série.
   Pergunto-me se Slytherin pensaria da mesma forma caso pudesse ver Hogwarts no futuro, será que o bruxo seria favorável as ações de Lord Voldemort, por exemplo ou talvez vendo bruxas absolutamente geniais como Lily Evans e Hermione Granger ele perceberia que seus medos eram infundados. Estamos falando de um dos maiores bruxos de todos os tempos, que foi amigo de outros três grandes magos de seu tempo, não creio que o astuto Slytherin dos brejais fosse tão inflexível ao ponto de não notar o óbvio: a magia não escolhe sobrenome. Acredito que nós é que vemos o passado com olhos de quem conhece o futuro e não percebemos os meandros da história humana. 
    Voltemos a ideia de que Salazar tenha sido um bruxo das trevas. Corrijam-me se estiver enganada, mas isso não tem respaldo cannon em lugar algum, muito pelo contrário, não se fala sobre os passos de Salazar após sua saída de Hogwarts e, sem dúvida, se o bruxo tivesse sido uma espécie de Grindelwald ou Voldemort do medievo isso seria mencionado. O único ato de Salazar foi criar a Câmara e esperar que seu herdeiro viesse “para expurgar a escola de todos que não fossem dignos de estudar magia” (CS:132), algo que não teria acontecido se Lord Voldemort não chegasse a Hogwarts (vejam quanto tempo a Câmara ficou encerrada). 
    Talvez a grande marca do bruxo das trevas seja a ofidioglossia e como Slytherin possuía o dom ele era, obviamente um bruxo das trevas. Pois bem, vamos pensar só um pouco antes de fazer uma afirmação tão extremista (afinal, afirmações extremas não são nada boas). Além de Slytherin, os ofidioglotas conhecidos são: Servolo Gaunt, Mérope Gaunt, Morfino Gaunt, Tom Riddle, Herpo, o Sujo e Harry Potter. 
    Podemos excluir Harry da lista, pois, como sabemos, seu dom foi transmitido por Lord Voldemort na fatídica noite em que o menino sobreviveu. Temos os Gaunt, seres medíocres que atacam trouxas acreditando numa superioridade a muito perdida, mais dignos de pena do que qualquer outra coisa. Há também Riddle, inegavelmente um bruxo das trevas e Herpo, o Sujo que foi “um bruxo das trevas de nacionalidade grega e ofidioglota, que descobriu, após muitas experiências, que um ovo de galinha chocado por um sapo produzia uma cobra gigantesca dotada de poderes extraordinariamente perigosos” (AFOH:24). Dizem (mas há controversas) também que Herpo teria sido o primeiro a fazer uma horcrux, portanto, este era um grande nome para o lado das trevas.  
    Com exceção de Voldemort e Herpo não há indícios de outros bruxos que tenham feitos das trevas memoráveis e se pensarmos que o grande feito comprovado de Herpo foi um experimento com criaturas mágicas à la Hagrid estamos em sérios apuros ao afirmar que ofidioglossia é um dom das trevas.                Sinceramente, a primeira vez que vemos esse dom ser utilizado é um dos momentos mais mágicos da série, quando Harry liberta a Boa Constrictor (PF: 29) e acho um grande exagero dizermos que ofidioglossia é um dom das trevas baseados em números tão pequenos.  
    Se Slytherin não pode ser considerado alguém realmente mau pelos motivos acima citados resta-nos os seus valores, aqueles mesmos que observamos nos alunos da Sonserina: ambição, astúcia, desenvoltura e puro-sangue. Talvez não sejam mesmo os melhores motivos para se aceitar alguém, mas essa é a lógica da seleção das casas; desprezar certos valores em relação aos outros. Se pararmos para observar com cuidado é possível que Helga Hufflepuff fosse a única a exigir dignos valores de seus alunos e os mais difíceis de conseguir: lealdade, justiça e tolerância. Deixemos a contestada seleção das casas de lado, até porque a essa altura a maioria de vocês já conhece minhas opiniões sobre elas e não é este o foco de meus rodopiantes pensamentos no momento. 
    Não estou aqui para defender as ações de Salazar Slytherin, ele errou, não visualizou o futuro do mundo bruxo como os outros fundadores de Hogwarts e se deixou levar pelo medo, não foi sábio o suficiente. Mesmo assim não podemos culpá-lo por todas as apropriações que os bruxos fizeram de suas ideias no futuro, pessoas que não levaram em conta o tempo e espaço em que Salazar estava inserido. Seria o mesmo que culpar Nietzsche pelas apropriações nazistas de suas obras. Os homens usam as ideias da forma que bem entendem e a saga demonstra isso a todo o momento. Slytherin foi apenas alguém reagindo ao seu tempo e muitos sonserinos não perceberam o anacronismo ao utilizar essas ideias num mundo contemporâneo em que tais teses, a muito, foram superadas. Culpemos, pois, os que se utilizam de argumentos ultrapassados para praticar o mal e não aqueles que defenderam coisas convenientes em outros tempos e a outras formas de entendimento.

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