sábado, 21 de agosto de 2010

As Horcruxes, a Pedra Filosofal, as Relíquias da Morte e o Eterno Devaneio Humano de Imortalidade


Olá, leitores e leitoras! Hoje vim compartilhar meus pensamentos sobre um tema que me fascina e é assaz recorrente em Harry Potter: o desejo do ser humano de driblar a morte. Para isso, usei como suporte os fascinantes objetos acima. Qual dos três "métodos" de viver para sempre lhes parece mais eficaz, válido ou digno? Espero que apreciem e deixem suas impressões. Boa leitura!


A racionalidade e a subsequente consciência da própria finitude engendram nos seres humanos o desejo de entender esta limitação existencial – o que, de certa forma, explica a variedade de religiões e crenças diversas e sua relevância –, o medo da incógnita que ela representa – já dizia Dumbledore que é o desconhecido que tememos, quando olhamos para a morte e a escuridão – e, posterior e quase invariavelmente, o devaneio de aniquilá-la. Nesse mote, bruxos e trouxas compartilham muito do imaginário, e até certos mitos trouxas, como o do Santo Graal e o da própria pedra filosofal, estão presentes na história da magia sob formas variadas, sejam como lendas propriamente ditas, sejam como elementos comprovada ou duvidosamente verídicos. No caso dos trouxas, essa aspiração é limitada à ficção, ao desenvolvimento tecnológico desenfreado que acresce gradativamente a expectativa de vida e a certas espécies de comportamento perante o tempo e a vida; já com os bruxos a situação estende-se drasticamente até o limiar da efetividade, o que, a propósito, apresenta-se como uma sapientíssima alegoria desenvolvida por J. K. Rowling para ilustrar essa intrigante peculiaridade.

Embora possuíssem diferentes percepções do moralmente aceitável ou interpretações distintas da primeira das Leis Fundamentais da Magia, Herpo, o Sujo, Nicolau Flamel e os irmãos Peverell foram movidos essencialmente pelo mesmo anseio de derrotar a morte, quando conceberam e propriamente levaram a cabo suas criações. O desfecho que J. K. Rowling arquitetou para essas cobiçadas invenções conduz-nos à mensagem que ela procurou transmitir acerca da morte em seus sete volumes. Vejamos se se faz clara.

A primeira horcrux é atribuída ao bruxo grego Herpo, o Sujo, também responsável por criar o petrificante basilisco. Inegavelmente brilhante, Herpo desenvolveu um método de evitar a morte: através de um complicado e abominável procedimento, que nem sequer J. K. Rowling se atreveu a publicar, foi capaz de encerrar em um objeto (posteriormente se descobriu ser possível também em seres vivos) um fragmento de alma que impede que o restante dela se desprenda do mundo físico, mesmo que o corpo seja destruído e que se logre apenas uma indigna sobrevida. Esse procedimento é, contudo, bastante oneroso, visto que, para romper a alma, é necessário cometer um homicídio, ato extremo de maldade. Ademais, há que se considerar que uma alma debilitada pela fragmentação talvez não valha a pena, o que alguém disposto a criar uma horcrux deve certamente ignorar. O fim que receberam Voldemort e suas horcruxes é muito conhecido pela bruxidade e alguns (muitos) trouxas, já Herpo, o Sujo, sabemos que morreu há muito e teve a horcrux destruída pelo próprio basilisco.

A pedra filosofal foi o fruto de um magnífico e excelso trabalho de alquimia realizado por Nicolau Flamel. Este fascinante objeto é capaz de transformar qualquer metal em ouro e de produzir o elixir da vida, que prolonga a existência de quem o consome regular e continuamente, isto é, provavelmente impede ou retarda o envelhecimento, evitando a morte por causas naturais. É improvável, todavia, que o usuário se torne imune a enfermidades ou quaisquer outros fatores externos, como maldições imperdoáveis, por exemplo; apesar de não ser um método hediondo, quando comparado às horcruxes, não é completamente eficaz, não proporciona imortalidade rematada. Centenas de anos depois da criação da pedra e diante da temível tentativa de roubo por Voldemort, Nicolau concordou em destruí-la, e ele e Perenelle, com suas mentes já muito bem estruturadas, tendo experimentado o suficiente da vida, assim como o terceiro irmão, decidiram despir-se da imortalidade e esperar serenamente pela grande aventura seguinte.

As Relíquias da Morte, ou seja, a Capa de Invisibilidade, a Varinha das Varinhas e a Pedra da Ressurreição, têm origem incerta... Luna provavelmente diria que se trata de presentes da Morte em si, enquanto Hermione, depois de criteriosamente se certificar de sua veracidade, diria que são criações dos engenhosos e temerários irmãos Peverell. O fato é que, separadamente, as relíquias não produzem o efeito da imortalidade de forma plena, mas juntas fazem, supostamente, de quem as possui o Senhor (ou Senhora) da Morte, que é invulnerável. Não se sabe se as relíquias são mesmo capazes de tornar alguém imortal, e o fato de Harry ter sobrevivido novamente à maldição da morte, na presença dos três objetos, não esclarece esta questão, já que o sangue protegido pelo sacrifício de Lílian corria também nas veias de Voldemort, e isto manteria Harry vivo, enquanto ele também o estivesse, como explicou Dumbledore a Harry em King’s Cross. O funcionamento desses objetos não é muito claro, mas, se o efeito da imortalidade for eventualmente comprovado em um vindouro “Livro Escocês”, é possível que seja o método mais efetivo, se comparado às horcruxes ou à pedra filosofal, uma vez que não sabemos se o autossacrifício, isto é, a consciência e a voluntariedade do ato, tem alguma relação com as Relíquias da Morte. Dumbledore, porém, deixa-nos uma pista, quando afirma que o verdadeiro conquistador das relíquias é aquele que aceita a morte, que a compreende como curso natural da vida, como parte inerente à essência da humanidade e reconhece haver abominações que fazem da morte agradável lenitivo. Como digno e admirável Senhor da Morte, Harry abandona a pedra na Floresta Proibida, recoloca a varinha no túmulo de Dumbledore, esperando que, após a sua morte, ninguém mais seja capaz de dominá-la, e mantém apenas a capa, que já lhe pertencia por direito e que provavelmente será preservada através das gerações.

O desenlace das histórias envolvendo esses objetos fantásticos, seus criadores, possuidores e entusiastas revela a visão de J. K. Rowling sobre a morte, e ela é cristalina... Em busca da inalcançável sobre-humanidade, o resultado beira quase sempre a inumanidade: o mago do coração peludo que enlouquece e mata a jovem bruxa, o Lorde das Trevas de alma esquálida que nunca conheceu ou entendeu o amor, os brilhantes amigos cegos de poder e pretensamente em prol do “bem maior”, o mais velho e menos sábio irmão que matou e morreu na mesma noite... Se desejar a invulnerabilidade é típico do ser humano, dessa angústia de conhecer a própria efêmera duração; falhar em possuí-la e permanecer fugaz, transitório e, ipso facto, intenso e encantador é ainda mais intrínseco à nossa própria natureza.

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