domingo, 11 de julho de 2010

O Poder Dominado: Do Um Anel a Varinha das Varinhas

Mais uma vez estou aqui para dividir alguns dos meus rodopiantes pensamentos com vocês. Esse tema me encanta profundamente e acho que existem inúmeras maneiras e exemplos possíveis ao se abordá-lo. O que só comprova minha tese de que as discussões sobre Harry Potter são infinitas, algo que me alegra, pois dará “vida longa e próspera” ao nosso fandom. Esse texto é um daqueles onde exponho muito do que minha mente confusa pensa sobre o mundo e gostaria de saber qual a visão de vocês sobre todas essas questões e se é, apenas a mim, que elas parecem angustiantes.
Boa leitura e não deixem de comentar!

PS: A fanart que usei na postagem vocês encontram no TLC.



Por Paty Moreira

O título deste texto pode parecer estranho, pois os objetos com que exemplifiquei este “poder dominado” são, na verdade, dominadores por natureza, mas neste texto analisarei uma questão que me parece estar intimamente relacionada nas séries “Harry Potter” e “O Senhor dos Anéis”: a busca pelo poder. E não apenas a busca em si, mas a forma como somos escravos do poder, como nosso poder é dominado por nossa vontade de dominar. Creio que essa introdução não foi nada clara, mas aos poucos, espero, chegaremos a algum lugar.

Essas relações com o poder que aparecem em ambas as sagas estão ligadas fundamentalmente a dois personagens (excluirei os vilões nesta análise). Em “Harry Potter”, usarei apenas o protagonista, e na saga de Tolkien, falaremos de Tom Bombadil. Ambos são bons, lidam com o poder, mas não se deixam dominar por ele, o oposto da maioria de nós, e talvez por isso, eles dominem.

Tom Bombadil é uma das personagens mais discutidas pelos fãs da obra de Tolkien, pois ele não se encaixa no perfil de nenhum personagem específico da saga, sendo impossível descrevê-lo como Hobbit, Homem, Anão, Elfo, um espírito da natureza, Aulë ou o próprio Eru Ilúvatar. Não entrarei nos motivos que tratam de tal impossibilidade, pois não é o foco da analise, mas indico este artigo para maiores detalhes. O que importa saber é que Tom não é uma criatura classificada na saga e isso é extremamente relevante para compreendê-lo. O alegre Tom também é aquele que toca o Um Anel sem ser influenciado por seu poder, que pode enxergar Frodo quando este usa o anel para ficar invisível, “Ele é” como diz Fruta D’Ouro, mas não domina, pois “As árvores e o capim e todas as coisas que crescem ou vivem neste lugar só pertencem a si mesmas. Tom Bombadil é o Senhor”.

Tolkien criou o oposto do ideal da modernidade - que nos faz ignorar os sentimentos e controlar tudo de forma racional - Tom Bombadil é o desejo do puro conhecimento, ele é o Senhor, tem o poder, mas sabe que cada coisa existe com um propósito particular que não lhe dá o direito de dominar. Ele não é escravo do poder, não se deixa controlar pelo desejo de dominação, é uma alma livre e espirituosa, que tudo conhece e nada tem, e por isso não é afetado pelo anel, uma vez que o “Anel do Poder” para “todos trazer e na escuridão aprisioná-los” precisa de reféns que façam dele poderoso, seres que sejam escravos do desejo de conhecer e dominar. Tom é um aliado do poder do conhecimento e o anel nunca poderia alcançá-lo.

A relação de Tom Bombadil com o poder é clara, Tolkien já disse em cartas que ele é apenas um parêntese na história, indecifrável, no entanto, alguém que nos dá uma lição valiosíssima. J.K. Rowling não falou tão claramente sobre os propósitos de Harry, mas deixou pistas que usarei para tentar expor meu ponto de vista sobre o assunto, lembrando que esta é uma hipótese e não uma certeza quanto aos intentos da autora.

Parece-me que Harry lida com o poder de forma semelhante com a de Tom. O poder a que me refiro em Harry Potter são as Relíquias da Morte, especificamente a Varinha das Varinhas. Harry, assim como Tom, é o Senhor, conquista o direito e a lealdade desses objetos que seriam um sonho para todos nós. Dumbledore deixa bem claro o motivo que faz de Harry o “digno possuidor das Relíquias” e esse motivo, a meu ver, é a forma como Harry lida com o poder, ele é um líder nato e não deseja a liderança (como costuma acontecer com os verdadeiros líderes), espera viver em paz e não está à procura de glórias. Harry domina porque merece e sabe que não é dono de nada.

Quando Rony se impressiona por Harry dizer que não ficará com a varinha, ele simplesmente responde “A varinha não vale a confusão que provoca”. No momento em que está consertando sua varinha antiga, temos mais uma fala do digno dominador: “Eu sei que é poderosa, mas eu era mais feliz com a minha”. O protagonista da saga de Rowling está preocupado com a felicidade e não com o poder, isso o motiva antes de todas as coisas e é o que lhe dá poder, fazendo de Harry alguém tão livre quanto Tom, capaz de se sacrificar pelo próximo e não se deixar escravizar por aquilo que supostamente devemos desejar.

São personagens movidos essencialmente por sentimento, algo que me parece ser o grande aliado da verdadeira liberdade. Em análise aos Contos de Beedle, Dumbledore diz que “os humanos têm um pendor para escolher precisamente as coisas que lhes fazem mal” e que a moral do conto não poderia ser mais clara: “os esforços humanos para evadir ou superar a morte estão sempre fadados ao desapontamento”. A morte é apenas um dos inúmeros conhecimentos que estamos fadados a nunca compreender totalmente e em nossa sede de encontrar a verdade para dominar, escolhemos aquilo que nos faz mal, nos perdemos em conceitos e lógica e não vivemos plenamente.

Vejo uma mensagem muito importante nesses dois personagens, que me faz pensar sobre como somos dominados pelo poder e não conseguimos dominar nada. Temos tanta necessidade de conhecer plenamente, de encontrar respostas e controlar tudo, que perdemos o caminho do verdadeiro poder e conhecimento. Parece que a maioria de nós não consegue entender as escolhas de Tom e Harry, não podemos viver fora dos padrões “racionais”, somos o povo da “Liberdade, Igualdade e Progresso”, presos em conceitos que não explicam a necessidade de desigualdade, as especificidades de cada um e não enxergamos que o progresso não existe como um fim imediato, pois cada indivíduo tem seus próprios valores e sonhos que levam a progressos diferentes, e no meio de tanta busca e racionalidade não entendemos mais o que é liberdade.

Para mim é uma grande lição, não sei se intencional, no caso de Harry, mas sem dúvida no caso de Tom Bombadil, é algo que me faz refletir e me tira muitas noites de sono. Não sei como resolver o problema, não acho que todos podem ser como esses personagens, existe algo na liberdade deles que me escapa a imitação. Sei apenas que o mundo como está hoje é estranho e dominado, que a escravidão existe em nossos intelectos e isso me assusta, pois não vejo solução melhor. Refém do controle é o que somos, mas talvez chegue o dia em que seremos puramente dominadores e aliados como Harry e Tom. Espero, apenas, que esteja no caminho certo para essa conquista.

5 comentários:

  1. É realmente interessante a relação que estabelecemos com o poder. As pessoas que lidam com o poder da forma como Harry o faz são privilegiadas. Isso me faz lembrar da genial ideia de Dumbledore de esconder a pedra filosofal no espelho de Ojesed. Somente quem não desejasse utilizá-la em benefício próprio - dominá-la, tornar-se poderoso através dela - poderia possuí-la, assim como o Senhor da Morte somente poderia ser aquele que a entendesse e aceitasse como curso natural da vida. As atitudes de Harry certamente o colocam nesta situação privilegiada em relação ao poder; por não aspirar ao poder como fim legítimo ou meio precípuo, acaba tornando-se poderoso deveras.
    Talvez quando aprendermos a "entender" o poder da forma como Harry o entende, se isso for realmente possível e não estiver inextrincavelmente ligado à natureza humana, sejamos capazes de construir um mundo diferente deste em que vivemos.

    O texto e o tema são ótimos, Paty. Parabéns!

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  2. A nossa necessidade de nos diferenciar dos animais e divinizar a carne cria nossa sede pelo conhecimento, e nos escraviza. O caminho da iluminação liberta, mas nos torna infelizes. Virando escravos ilusória felicidade temporária que adquirimos com a descoberta de algo novo no campo intelectual.

    A felicidade está nas coisas simples da vida e nos sentimentos, por mais sem sentido que seja, o amor é a unica coisa que faz sentido nesse universo. E quando adquirimos a real felicidade em toda sua plenitude, viramos dignos do poder, e ele nos alcança em proporção, mas em forma de fardo.... Ou esperança.

    Foi isso que tirei do artigo da Paty, e preciso dizer que concordo em 87,36 : 3/4 %. É a maior lição que Senhor dos Anéis, HP, Star Wars, Metal Gear e tantas outras séries tentam no passar, mas infelizmente sempre vejo os fãs seguirem o caminho contrário: Auto-flagelo da solidão em pró de algum conhecimento inútil. Do enorme egocentrismo de tentar descobrir o sentido da vida.

    As vezes quando saímos da caverna, acabamos entrando em outra ou se satisfazendo com a sombra da árvore.
    Escalar montanha é preciso. E mais importante ainda, as pessoas que você levará junto na jornada. ;-)

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  3. Quando eu estava lendo Hp, pensei se seria capaz de abdicar do poder, e sinceramente, não cheguei a uma conclusão, pelo menos naquela época...Poder é bom, ele nos faz capaz de atitudes muitos boas, mas cada vez que subimos um degrau, nos é exigida mais força. Não importa o que achamos, ter poder exige muito mais do que muitos estão preparados para dar.
    Acho que a uma mensagem ficou bem clara: Não confunda poder com felicidade! Afinal, não precisamos de qualquer instrumento que sugira poder para sermos verdadeiramente felizes. Não precisamos do carro para sermos melhores, precisamos da locomoção que o carro nos dá. E é tão difícil saber a diferença!

    Gostei muito do texto, adoro coisas que me fazem pensar.

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  4. Sempre que eu penso na relação do homem com o poder, lembro o por que de Dumbledore nunca ter se candidatado a Ministro da Magia. E penso que essa facilidade de cair nas garras do poder vem de cedo, é algo que cresce conosco e só os mais sábios conseguem evitar encontrá-lo. Harry é um que não precisa evitar, porque ele é livre. Quisera eu ser livre D: Mais uma vez, ótimo artigo :D

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  5. Amei o texto, e às referências à Tolkien. Realmente aquele dito popular "se quiser conhecer uma pessoa, dê poder à ela", está correto. E o mais curioso é que a pessoa que se acha dominadora por ter poder, na verdade é o dominado da relação, o escravo do desejo de controlar a tudo e a todos e ser reconhecido por isso. Harry mostrou uma sabedoria que falta à nossa sociedade de forma geral, mesmo. Quantos de nós seria capaz de abdicar do poder? Não é fácil, mas as escolhas corretas sempre são as mais difíceis, no entanto são as que verdadeiramente nos libertam e nos tornam plenos, felizes.

    Paty, ótima escolha de tema!

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